RESUMO: Este trabalho, com abordagem de pesquisa bibliográfica, mostra que o romance Maíra, do antropólogo Darcy Ribeiro, parte do modelo litúrgico e sério da missa (e do culto evangélico) e sofre deslocamento ou inversão do sentido original, exigindo nova interpretação para o Sacrifício, uma vez que os textos bíblicos e convencionais são dessacralizados e, por vezes, ridicularizados. A função desse discurso intertextual parodístico, tanto no romance em epígrafe quanto no presente estudo, é catártica. Visa a liberar as tensões desse momento dramático e de luta pela sobrevivência dos silvícolas brasileiros. A ordem desemboca no caos e o sentido original da comunhão é subvertido em todas as quatro partes da obra para denunciar a barbárie do branco contra o índio mairum, arquétipo (fictício) de uma raça eucaristiada pela catequese e pela ganância dos poderosos. As quatro divisões aqui apresentadas para reflexão decorrem diretamente das quatro divisões aqui apresentadas para reflexão decorrem diretamente das quatro seções do mosaico litúrgico e pagão (des ou) re-construído pelo próprio autor de Maíra, a saber: Antífona, Homilia, Cânon e Corpus. O impacto com a civilização exige da aldeia uma constante redefinição de seu corpo mítico e de valores, para que a tradição tribal permaneça. Palavras-chave: romance Maíra, Darcy Ribeiro, catequese, sacrifício indígena, intertextualização
ABSTRACT: This study, which has a bibliographical research approach, shows that the novel Maíra, by anthropologist Darcy Ribeiro, starts from the liturgic and serious model of the Mass (and of the protestant worship service) and undergoes displacement or inversion of the original meaning, demanding new interpretation for the Sacrifice, as the biblical and conventional texts become sacrilegious, and at times, treated with contempt. The function of this intertextual parodistic discourse in Maíra as well as in the present work, is cathartic. It aims at releasing the tensions of this dramatic moment and of the struggle for survival of the indigenous Brazilian people. Order turns into chaos and the original meaning of Communion is subverted in all four parts of the romance in order to expose the whiteman’s barbarity against the Indian Mairum, the (fictitious) archetype of a race eucharisted by catechism and by the greediness of those invested with power. The four divisions presented for reflection come directly from the four sections of the liturgical and pagan masaic reconstructed (or devastated) by the author himself, e. g. Antiphon, Homilia, Canon and Corpus. The impact with civilization demands from the village people a constant redefinition of its mythical body and values in order that tribal tradition endure. Key-words: novel Maíra, Darcy Ribeiro, catechesis/catechism, Brazilian indian sacrifice, intertext.
No dia do lançamento – 20 de junho de 2000
(Estudo sobre o ramance Maíra, de Darcy Ribeiro, 1976)
É uma narrativa-missa com o
nome de um deus da tribo, Aldeia Mairum, fictícia,
circular, nas últimas terras da Amazônia.
Darcy Ribeiro dividiu o romance Maíra
em quatro partes: Antífona, Homilia, Cânon
e Corpus. Partiu do modelo litúrgico da missa
(e dos cultos evangélicos) e fez deslocamento
e inversões do sentido original, exigindo
nova interpretação para o sacrifício.
O autor subverteu textos bíblicos e latinos
do ritual antigo, dessacralizou e ridicularizou
o “mistério” – para evidenciá-lo
na pessoa do índio, eucaristiado pela catequese
e pela ganância dos poderosos.
Também eu dividi este estudo
em quatro partes, com os mesmos títulos,
a fim de mostrar a barbárie do branco ou
civilizado contra os mairuns eucaristiados
– isto feito em discurso intertextual, parodístico,
costurando textos de Maíra com os
da Bíblia, ou com boletins dominicais distribuídos
pela Igreja Católica ou pelas igrejas evangélicas.
As quatro partes mencionadas são as seguintes:
1ª) Antífona – onde
abordei o canto dos mortos: A mal-aventurada-sururuqueira
Alma, cuja voz Antimagnificat foi respondida
pelo canto do bem-aventurado-chefe Anacã.
Posteriormente seguido pelo canto dos profetas,
como Isaías, dos pajés-sacacas da
Missão Católica e de Xisto da Missão
Protestante. Finalizei a Antífona com o canto
do poder de Juca e do Senador Andorinha.
2ª) Homilia – Aqui temos
a liturgia da palavra, a partir do texto sagrado
Mairahu, o Gênesis da tribo mairum, tudo criado
pelo Sem-Nome que sabia ser o mundo muito ruim,
mas dava risadas e maltratava suas criaturas com
um aguaceiro medonho. Há também o
salmo do “messias sofredor” (Isaías)
e o Apocalipse na segunda leitura, onde João
de Deus, na boca de Xisto, prega sobre o Armagedom,
com anjos-sargentos, urubus-rei, juízo final,
besta-fera, Cristo-cordeiro, enxofre e trono branco.
E os índios atrás da terra sem males,
isto é, terra sem brancos.
3ª) Rito sacramental, o Cânon
– os mairuns são possuídos por
Maíra; o Cânon tem o sentido de regra
de fé da Igreja, regra da verdade cristã,
como: Cânone das Escrituras, dos santos e
da missa – as cerimônias a serem seguidas
no sacrifício. O Cânon aqui emerge
das entranhas de Avá.
Em Maíra, temos: a) Os ritos de
retorno ou de chegada: Isaías/Alma, a Mosaingar
que pariria gêmeos e que frustrou a tribo,
pois nasceram mortos. b) O rito do lava-mão
de Pilatos, a purificação da Igreja:
A soda do convento lavando tudo; Xisto cortando
a língua de Perpetinha para salvar sua alma.
4ª) Ritos finais, o Corpus –
o que restou do impacto da civilização
sobre a Aldeia Mairum; a população
indígena restante, sobrevivente ao avanço
predatório dos que se dizem civilizados;
o corpo mítico, as sementes do espírito,
o indez. Penso que o ovo de Deus vai gerar, porque
o romance Maíra termina em língua
supostamente mairum.
Antes, porém os padres Vecchio
(=Velho) e Aquino (= São Tomaz de Aquino)
cantam um quírie e um réquiem,
como pedido de desculpas ou de perdão e entoam
um oficio os mortos pelos quarenta anos de catequese
e pelos escândalos da Missão, tendo
apenas êxito material e muitas terras.
Ite, missa est.
Ercilia Macedo-Eckel
Clique aqui para ver a obra completa